A tela contemplada
Pintor da soledade nos vestíbulos
de mármore e losango, onde as colunas
se deploram silentes, sem que as pombas
venham trazer um pouco do seu ruflo;
traça das finas torres consumidas
no vazio mais branco e na insolvência
de arquiteturas não arquitetadas,
porque a plástica é vã, se não comove,
ó criador de mitos que sufocam,
desperdiçando a terra, e já recuam
para a noite, e no charco se constelam,
por teus condutos flui um sangue vago,
e nas tuas pupilas, sob o tédio,
é a vida um suspiro sem paixão.
Ele que pinta
a tela de pessoas nuas é o pintor de quadros. Os vestíbulos são tristes.
Pessoas sem as suas coisas são tristes. Os vestíbulos são vistos como não
arquitetados, mas na verdade, o eu-lírico fala das coincidências e acasos da
vida. Volta para a edificação falando que a plástica é vã, falando também do
pintor do início. Isso já dá o tom de que as artes são vãs quando não causam
reação. O eu-lírico se mostra, aqui, que está entediado com a vida, que a vê
como vazia e triste.
Criador de
mitos que sufocam é o pintor. O eu-lírico volta a falar sobre as coincidências
da vida, arquiteturas não arquitetadas. Das pessoas estarem em um momento
íntimo com desconhecidos. Diz então que elas voltam para a noite: o momento
antes de dormir, os sonhos. Nós ficamos pensando nas coisas que acontecem e na
vida. E tudo isso, toda a existência vai para o charco, vira lixo. Falando com
o pintor novamente, fala que ele é vazio e entediado com a vida. O eu-lírico diz
que a vida é um ‘suspiro sem paixão’. Ou
seja, um suspiro sem vontade de viver, apenas entediado com a existência.
O poema
fala sobre o tédio com a vida e que nem a arte nos comove. O eu-lírico se
mostra triste e decepcionado com a existência mundana. Ele não sente que algo
pode nos salvar, nem a arte. Mostra que mesmo as coincidências da vida viram
lixo. Mostra que tudo que vemos é tedioso e triste. Nem a poesia é o bastante.
- João Vitor Latini