quarta-feira, 29 de junho de 2016

Ela

I

“Olha, cara, eu tenho dezoito anos” Disse ao senhor atrás do balcão de madeira.
 Eu não devia ter tirado a porra da barba. Agora ficam me pedindo a identidade em qualquer bar de merda que eu vou. Nesse ponto, eu já estava completamente bêbado e entrei no primeiro bar que achei. Acabou que era um bar sério, de ricos. Eu já tinha virado três packs de cerveja junto com João. 
“Então me mostre uma identidade. ” Me disse com sua mão estendida esperando a identidade.
A tirei da carteira e mostrei a ele. 1998, dezoito anos.
“Viu porra! Falei! ”
“Boa, garoto. O que que você quer? ” Me disse devolvendo a identidade.
“Me veja duas cervejas. Uma para mim e outra para o cavalheiro. ” Falei olhando para ele e apontando para João ao meu lado.
“Ele tem dezoito também?”
“Eu vou te arrebentar, cara!”
“Olha, seu moleque, saia do meu bar antes que eu chame a polícia!” Falou com o dedo na minha cara.
“Ok, ok. Desculpe. Ele tem dezoito, sim. Mostre sua carteira João”
João mostrou sua carteira e recebemos as cervejas. Estavam geladas e muito boas na verdade. Bares de ricos têm suas vantagens, as vezes. Bebemos mais três cervejas e saímos.
“Que horas são? ” Perguntei a João, que estava menos bêbado e eufórico do que eu.
“São sete horas” Disse olhando para o celular.
“Vamos ao café com poesia. Ainda podemos ver se eu posso ler um poema. ”
“Ok”
Ao chegar no café, eu li meu poema para Charles Bukowski. Ele era o maior poeta. Ele escrevia porque precisava escrever, como qualquer poeta deveria ser. Por isso sua escrita era tão seca e real. Era isso que eu admirava nele. Como qualquer café com uma boa quantidade de pessoas metidas a hipsters e que frequentavam todas as baladas LGBT e alternativas de Curitiba, adoraram o poema. Ao terminar a leitura, todos aplaudiram. Todas as garotas de franja e alargadores e todos os garotos de toca bege e barbas longas ou malfeitas. Menos uma garota. Ela que eu nunca tinha visto lá.  Ela estava quieta com seu café e pacote de camels no seu bolso da camisa preta. Desci do palco. Eu olhando para ela e ela olhando para mim, sentindo que eu ia falar com ela.
“Oi. ”
“Oi” disse sorrindo.
“Você não gostou do poema? ” Disse tentando não colocar agressividade na voz.
“Não muito. Foi seco. Simples. ”
“Essa era a ideia. Bukowski era seco e simples. ”
“Bukowski era um velho bêbado”
“Você é louca. Qual o seu nome? ” Disse depois de me sentar em sua frente.
“Gabriela. Eu sei o seu pelo poema” Ela tinha cabelo preto com um undercut. Era um tanto quanto intimidador. Ela usava óculos marrons e usava roupas pretas. Eu senti uma conexão estranha ao me sentar. Senti que falava comigo mesmo. Ela era linda. Sabia que algo aconteceria. Podia ser a cerveja.
“Como assim? ” Me sentia burro. Não sabia o que falar. Tinha medo de errar.
“Você falou seu nome depois do nome do poema. ” Claro. Eu falei mesmo. Tentei me recompor.
“Quer ir em um bar comigo? Tipo. Agora ”
“Uhm. Pode ser”
“OK. Me dê um minuto. ”
Me dirigi a João e expliquei a situação. Ele iria para casa.
“Boa sorte, cara. Nunca vi você fazer algo parecido. É engraçado. ”
“É o certo. Eu sei. ”
Me dirigi a Gabriela.
“Vamos? ”
“Eu tenho que pagar. ” Disse rindo. Ela parecia ser melhor do que eu. Eu estava nervoso. Não sabia o que fazer. Era estranho.
“Ah! Claro! ”
Chamei Maria, a atendente do café. Ela veio e Gabriela pagou sua conta. Saímos em direção ao bar. Não sabia onde leva-la. Não sabia qual bar. Mas logo pensei em um e fomos para ele. Ao entrar no bar fomos cumprimentados pelo atendente.
“Ah não! Você de novo? Não quero mais problemas, sua merdinha! ”
“Calma senhor, não causarei nenhum problema. Juro. ”
Não fazia ideia de como agir. Ao avistar Gabriela atrás de mim ele disse:
“É incrível o que um homem faz por uma foda! ”
Fiquei furioso.
“Ou! Seu puto velho! Não fala assim dela! Ela é apenas uma amiga! Se você falar assim de novo eu te quebro na porrada! ” Disse apontando para ele.
Olhei para Gabriela. Ela estava normal. Não estava assustada nem nada do tipo. Até que ela me surpreendeu.
“É seu merda. Fala isso de novo que eu arranco suas bolas fora! ”
“Saiam daqui agora! ” Disse ele vindo em direção a nós dois.
Saímos correndo para fora do bar. Estávamos rindo. Eu estava apaixonado. Completamente perdido em sua risada.
“Isso foi incrível! Meu Deus! Você é muito foda! ” Disse a ela gritando para os céus como um homem perdido no mundo.
Ela disse séria:
“Você foi muito legal em dizer o que falou para ele no bar”
Acendeu um Camel e me ofereceu um. Peguei o cigarro e acendi.
“Ah. Não foi nada. ” Disse soprando a fumaça disfarçando a vergonha.
“O que fazemos agora? ” Disse ela ajeitando seu cabelo.
“Hmm. Vamos ao parque. ”
Fomos andando e fumando. Conversamos sobre tudo. Ela sabia tudo sobre poesia, literatura, música, cinema e tudo que se podia imaginar. Eu estava animado pela primeira vez em meses. Eu queria falar e conversar e fazer tudo com ela. Chegamos ao parque e sentamos em um banco.
“Você conhece Moose Blood? ” Perguntei a ela.
“Claro. Amo essa banda”. Isso era incrível. Tudo estava incrível.
Nós fumamos cigarros e escutamos música por horas.
“Qual o seu número?”
Ela me deu o número e ficamos de sair de novo no dia seguinte.
II

Estava tudo ótimo. Pela primeira vez desde a morte de Everaldo estava tudo bem. Tudo ok. Eu estava namorando Gabriela. Nós saíamos todos os dias e ficávamos na casa um do outro. Ela pintava. Muito bem. E escrevia. Melhor ainda. Nós nos amávamos. Mas havia dias em que ela não estava bem. Queria ficar quieta. E não sabia como ajudar. Nesses dias nós tomávamos café e fumávamos em silêncio. Ela pintava seus quadros em silêncio. Eram quadros tristes, de pessoas mortas. Um dos quadros eram duas pessoas. Uma estava enforcada e outra ao seu lado chorando. Era tudo escuro, com um estilo barroco de pintura.
“Como que você quer morrer? ” Ela me perguntou um dia tomando seu café já frio e com o cigarro na outra mão.
“Não sei. E você? ” Depressão é uma merda. Ela vem e te pega de surpresa. De repente tudo está ruim e você não sabe porquê. Ela sofria muito com isso. Ela queria morrer alguns dias. Eu não aguentava pensar em viver sem ela. Mas ela aguentava viver sem mim, de alguma forma.  A depressão as vezes é mais forte do que o amor.
“Eu vou me matar. ”
“Não fale isso! Você é perfeita demais para isso! Eu te amo! Porra! Preciso de você aqui. Fico perdido sem você. ”
“Desculpe” Falou olhando para seus cortes no braço.
“Eu te amo. Não me deixe”
“Não vou. Também te amo” Ela voltou a pintar seu quadro. Eu voltei a escrever meu poema.
III

Outros dias ela estava bem. Feliz como no dia em que nós nos conhecemos. Esse era um dia desses. Ela estava bem, e eu também. Nós estávamos todos no bar. Hobs, João, eu e ela. Tudo ia bem. Estávamos bêbados e rindo.
“Tudo está perfeito, queria pintar um quadro desta cena...” Me disse ao me olhar docemente por trás de seus óculos.
“Também acho. Estamos bem. Você está bem. Quer ir para casa pintar? ” Perguntei passando a minha mão em seu cabelo.
“Sim” Me disse rindo.
Fomos para casa. Ela pintou um quadro de todos nós na mesa, rindo. Ela estava radiante na pintura ao meu lado, como deveria estar.
“Está muito bom. Você está linda. ” Disse contemplando o quadro em minha frente. O quarto dela estava bagunçado, com a cama desarrumada e potes de tinta para todos os lados. Meus livros estavam jogados pelo chão e alguns estavam na prateleira. Tudo estava bagunçado, menos nossas vidas. Com ela tudo ficava arrumado. Ficava bem e calmo.  
IV

Estava chorando. Muito. Tudo era uma merda novamente. Estava no parque. Isso não era uma história de amor. Não era nada. Perdido. A ambulância estava ao meu lado e a polícia também.
“Ela te chamou aqui? Ela não estava bem? ” Me perguntava o policial.
“Sim. Ela me chamou aqui. Era para estar tudo bem. No dia anterior estava tudo bem! ” Respondi. Tudo na minha vida era para dar errado. Nunca acharia alguém como ela de novo. Tudo dava errado. Tudo estava destinado a ser triste. Não sei se ela precisava ir, se ela era uma lama aprisionada aqui. Não sei de nada mais. Só sei que ela conseguiu me deixar. Ela tinha prometido. Era culpa minha? Era culpa de alguém?
“Puta merda, isso não pode ser verdade! ” Me disse Hobs.
“Mas é, cara. A vida é assim. As coisas acontecem. Comigo pelo menos. Do nada eu perco as coisas. E daqui a pouco eu vou me perder. ”
“Não fale isso. Nós estaremos aqui com você. ”
“Sei lá. As vezes quero ir embora. Daqui. Ficar com ela, talvez”
“Você não acredita nessas coisas. ”
“Talvez deva começar...”
“Deixa isso para lá”
“Como? Ela se foi. A única coisa que estava me deixando feliz e no chão. Se foi. Ela quis ir. Naquela árvore. Por que que eu conheci ela se era para ela ir? ”
“Não sei, cara. Talvez tinha que ser assim. ”
“ Estou cansado das coisas assim. Quero ir também. ”
“Não, cara. Para. ”
“Ok...”
V

“Ela se foi. E me dói. Não sei transformar essa dor em arte. Tudo me faz mal. Não sei transformar essa dor em poesia. Não essa dor que nunca vai embora. Só vai diminuir. E sei como cada um de vocês se sente. Sei da perda que tiveram. Dessa garota perfeita que era ela. Que me fazia tão bem. Que me fazia. ” Disse a todos no funeral da garota que eu mais amei em toda minha vida. Da garota que mais me ajudou na minha vida. Da garota que me fazia inteiro. Da garota que fazia todas as poesias de amor reais. Da garota. Eu precisava dela e ela não estava lá.
Eu sentei no banco depois de todos terem ido embora. Era eu e eu mesmo. Acendi um cigarro. Era uma Camel. Do mesmo tipo que nós fumávamos. Se não era para ser, não foi.  Não consegui terminar meu cigarro. Estava devastado. Olhei para os lados. Olhei no horizonte. Vi um vulto. No fim do cemitério. Fui andando até onde ela estava enterrada. Não. Ela não estava lá. O vulto não era ela. Ela não estava lá. E nunca estaria mais.

FIM


terça-feira, 28 de junho de 2016

O morcego dos anjos

O morcego dos anjos

O morcego dos anjos
entra em meu quarto
a noite
e de dia
o morcego habita em minha cabeça
e graças a ele
meus poemas saem
de mim

Tempo

Tempo

Lembra?
De quando tudo era bom
tudo era simples.

tempos bons
que não podemos re-criar
nem reviver
apenas lembrar

o tempo passa
como o bonde cheio de pernas
levando tudo
avassalador

a dor
de ver
tudo que uma vez foi,
sendo
e não sendo mais

eu vou embora
mas prometo
voltar
então o tchau
fica para depois
favor
não me abandonar

Animal cinza

Animal cinza

Eu acordei
com um animal
em cima de mim

Não podia me mexer,
nem pensar direito
estava aterrorizado
Com o que estava diante de mim

Estava escuro
e o animal cinza
não saía de mim

Incrível como eu
não lutava
mas gostava
cada vez mais
de minha impossibilidade
de movimento

O animal grotesco
com face de demônio
se desfaz em minha frente
como fumaça de cigarro no ar
ele entra em mim
para amanhã,
tudo se repetir


Chama

Chama

Estou velho,
sem dentes
e sem sentimentos

Estou velho
já abatido
e desgastado
pela vida

Estou velho
não estou capaz
muito menos com vontade
de viver
e tentar

Estou velho
mas ainda guardo
aquela lembrança
no coração.
Sua foto
no broche que me deu na mão

Ainda guardo
aquela vontade
de te ter
te guardar
e te ver
saber que você ainda
me ama
e me chama

Ainda guardo aquele fogo
aquela chama,
uma faísca
no meu corpo
cansado,
porque sei
que um dia vou te ter,
ao meu lado.

Pequenos poemas II

Pequenos poemas escritos em longas noites.

Estrela

Existe um universo
de poesias
para serem escritas
mas eu não consigo
chegar
na estrela certa


Escrever

Talvez devo
aprender
que não se escreve por fama

Se escreve por
necessidade


Honey

Não entendo
nem quero entender
como você
me deixou ir
sair
e me esqueceu

Se um lugar
na minha mente,
ainda
é seu

No paraíso

Eu sinto muito
Muito
por ter estragado
o que nunca esteve lá
mas poderia estar

Eu sento e escrevo
versos cheios
do que nunca poderia dizer
para você

Me calo
mas não paro
nem no sinal vermelho
pois no paraíso
posso estar com você

Noites

Fico noites escrevendo
sobre tudo que entendo
e tudo que
não compreendo

Saudade

Junto com toda a fumaça,
o tar,
o tabaco,
o monóxido
e a nicotina
fumo toda saudade
que tenho por você



Vida

Vida

I

Estávamos todos aglomerados em volta do corpo pálido de um velho barbudo. Nada me animava. Nada me confortava. Mais uma coisa que foi embora.
“Vai ficar tudo bem” Disse João.
“Pouco importa. Essa merda é assim. Tudo acaba. E quanto mais importante para você, mais cedo acaba. ” Disse eu com lágrimas no olho.
“Quer um cigarro? ” Disse ele me mostrando o maço.
Peguei o cigarro e acendi. Nos afastamos do público. Eu, João e Hobs. Todos arrasados. Mas eu era o mais. Não aguentava mais isso. Viver. Era muito ruim. Tudo acabava e o que me restava era eu. E isso não é o bastante. O sofrimento da morte era ruim demais para ser algo natural.  
“É a sua vez. Você vai ler o poema? ” Disse Dona Rose.
“Sim. Estou indo”. Me dirigi ao centro das pessoas onde estavam sendo ditas as últimas palavras para o velho que se foi.
Tempo

Lembra?
De quando tudo era bom
tudo era simples.

tempos bons
que não podemos re-criar
nem reviver
apenas lembrar

o tempo passa
como o bonde cheio de pernas
levando tudo
avassalador

a dor
de ver
tudo que uma vez foi,
sendo
e não sendo mais

eu vou embora
mas prometo
voltar
então o tchau
fica para depois
favor
não me abandonar"

Algumas pessoas estavam chorando, outras não. Não podia me importar se o poema foi impactante ou não. Não podia me importar. Não tinha forças para nada. Nada.
O funeral acabou e seguimos para casa.

II

A minha vida estava caindo aos pedaços. Meus pais estavam separados e meu avô estava morto. Meu avô era uma figura muito importante na minha vida. Ele era eu mais velho, e sempre o admirei muito. Quando ele morreu eu bebi uma orloff inteira e fumei um pacote de cigarros inteiro. Foda. Cheguei em casa da minha mãe caindo de bêbado e arrasado por tudo. Deitei e vomitei em minha cama e passei a noite toda ouvindo minha mãe chorar do meu quarto. Tudo estava dando errado.
Eu escrevia sobre tudo. Eu sentia que minha poesia estava melhorando e que podia ser publicado em pouco tempo. Não ia desistir de jeito nenhum. Minha rotina de escrita era normal. Chegava em casa, acendia um cigarro e ao som de ‘Sorority Noise’ eu escrevia por horas. Escrevia em torno de 20 poemas e um conto. Era algo natural. Saia de mim e eu só colocava no papel. Eu queria uma escrita brusca e seca. Nada de metáforas e babaquices. Queria algo que representasse a vida na prosa. Já na poesia eu pegava mais leve. Eu usava metáforas e figuras de linguagens simplesmente porque poesia não é prosa. E poesia precisa dessas coisas, em minha opinião (que pouco importa).
Um acontecimento me marcou muito. Eu, Hobs e João estávamos na Praça da Espanha. Eram 5 da manhã e nós estávamos todos um tanto quanto bêbados. Nós resolvemos andar até uma barraca de cachorro-quente para matar a fome. O sol já estava nascendo no horizonte e eu puxei um cigarro. Uma ambulância passou.
“Me passa um, cara” Disse João.
Passei o cigarro para ele.
Essa noite, ou melhor, dia, estava normal até agora. Todos nós estávamos ok. Decidimos esperar até 8 da manhã na casa do João para irmos apresentar os novos textos no ‘Café com Poesia’. Everaldo iria ter um ataque ao escutar os novos poemas. Então fomos todos à casa de João e ficamos bebendo cerveja até as 8. Estávamos devidamente bêbados para irmos ler poesia.
Na rua, comecei a recitar ‘O morcego’ de Augusto dos Anjos aos berros. Hobs e João começaram a rir e perturbar as pessoas que haviam acabado de acordar em um domingo nublado e não estavam nem um pouco com vontade de escutar poesia.
“Seus bêbados de merda! Vão para casa! ” Disse um velho no outro lado da rua
“Vai se fuder! Nós somos poetas! Se o senhor não gosta de poesia, você não gosta da vida!” Disse a ele olhando diretamente em seus olhos.
“Moleques! Vocês não sabem o que é poesia! ”
“Isso é Augusto dos Anjos, seu maluco! ” Falei a ele com meus punhos no ar.
“Para, cara! Não estou aguentando! ” Disse Hobs rindo.
“Vocês são malucos! Puta que pariu! Você xingou um idoso!” Disse João olhando para os dois.
“Ele precisava aprender o que é poesia” Disse eu, calmo.
Passamos 10 minutos andando sem se falar até chegarmos no ‘Café com poesia’.  Lá, estava tudo aberto normalmente. Mas algo estava estranho. Desde a noite anterior eu sentia isso. Então fomos cumprimentados por Maria, a garçonete do café. Ela não estava feliz como normalmente estaria, ela estava para baixo.
“Algo errado, Maria? Trouxe poesias novas e acho que você vai gostar”  
Maria começou a chorar. Algo estava muito errado. Ela se apoiou em mim com os dois braços nos meus ombros.
“Ele morreu! ” Disse ela aos prantos.
“Quem? Que? ” Eu olhei para os dois que estavam tão confusos quanto eu.
“O Everaldo! Ontem, uma ambulância foi à sua casa e me ligaram do hospital! Ele teve um ataque cardíaco e morreu! ”
Eu o considerava o meu segundo pai. Puta merda! Isso era o que me faltava! Tudo dava errado! Tudo! Puta que pariu! Eu estava furioso. Quando meus pais se separaram e meu avô morreu, eu estava perdido. Não ia bem na escola e não conseguia nem escrever. Everaldo me acolheu, todo dia em seu café ele me ensinava sobre escrita e poesia. Tudo melhorou e estava um pouco melhor do que ruim. Mas agora tudo se foi. Eu estava destruído. Foi o a última gota.
“Em qual hospital ele está? ” Perguntei gritando. Estava desesperado e nem conseguia pensar.
“No Nossa senhora das Mercês…” Disse Maria cabisbaixa.
Saí correndo do café.
“Volta aqui, cara! ”
“É! Volta aqui! ” Diziam meus amigos. Mas eu não conseguia parar de correr.


III
Ele estava lá. Pálido. Morto. Sem vida. Tudo passou pela minha cabeça.  A vida, a morte, a poesia e o verme que era esse suposto Deus que me tira tudo que pode ser bom! Sentia a dor infinita de perder algo que nunca voltará. Sentia a dor.
Cheguei perto, ainda não acreditando ser verdade. Ele estava lá. Sem aquele calor que ele me proporcionava quando eu mais precisava. Chorando cheguei perto:
“Everaldo. Desculpa não ter dado tchau ou lido um último poema. Desculpa. ” Não aguentava falar sem a resposta de sua voz confortante.
Fiquei o que pareceram horas no quarto esperando com que ele acordasse. Mas o que obviamente não aconteceu.
“Senhor, o horário de visitas acabou”
Olhei para frente e estava uma enfermeira me olhando chorar.
“OK. Estou saindo” peguei minha mala e subi até o último andar do hospital. Não sabia se eu sequer podia fazer isso, mas o fiz de qualquer forma.
Lá em cima, sentei na beira do prédio e fiquei encarando o horizonte. A vida era fodida. Tudo ia embora e era complicado de lidar com isso. A vida era um cigarro que se apagava. A vida parecia infinita para nos sacanear. Puta merda! Tudo era tão ruim!
Acendi um cigarro. Refleti sobre tudo que vinha acontecendo na minha vida e resolvia algo. Por mais que eu quisesse, não iria me matar. Eu iria viver e transforar tudo em arte. Tudo. E algum dia eu iria morrer e alguém ia fazer arte com isso. Ou não. A ideia é o que importa.
“Ou moleque! Você não pode ficar ai! Está maluco? ” Um segurança estava atrás de mim, na porta.
“Desculpa. Vou sair. ”
Quando estava passando por ele, ele sentiu minha tristeza e decepção.
“Olha, garoto. Eu sei que é foda. Mas esse não é o melhor caminho. ” Ele me disse enquanto eu passava por baixo do seu braço que estava apoiado na porta.
Eu estava fora do hospital. Acendi meu cigarro. Meu celular começou a tocar e era Dona Rose.
“O funeral será amanhã. Everaldo sempre adorou seus poemas. Você poderia ler um para nós?”
Eu me senti realmente lisonjeado por esse pedido.
“Claro Dona Rose. Eu adoraria. Será em qual cemitério?”
“No das Lourdes”
Desliguei o celular e peguei meu caderno de poemas. Consegui escrever um poema rapidamente com tudo que estava sentido. Realmente entornei meus sentimentos no poema e comecei a chorar novamente pela perda. Eu o amava e ele se foi. Sei que algum dia todas essas perdas vão valer a pena. Talvez não hoje. Mas algum dia.
Segui em frente, pronto para ler meu poema no funeral do dia seguinte.


FIM

segunda-feira, 27 de junho de 2016

A arte de viver e fazer poesia

A arte de viver e fazer poesia

I


Coloquei minha mesma calça jeans preta. Todo dia eu a usava. Coloquei minha camiseta preta e minha meia branca. Meu tênis surrado. Eu só me visto de preto fazem 2 anos, e é incrível. Quando você se veste de preto você é poético. Eu não sentia nada faziam 3 anos, e quando comecei a usar preto continuamente eu consegui expor essa falta de sentimento.
Sai de casa e peguei o ônibus. Estava cheio. Muita gente dormindo ou mexendo no celular ou fazendo qualquer tipo de merda inútil. Eu consegui achar um lugar no fundo do ônibus ao lado de uma senhora. Na minha mala eu tinha três livros. Escolhi ‘eu e outras poesias’ de Augusto dos Anjos. Era um livro que mostrava o amargor da vida em versos, mostrava como alguém pode ter tanto ódio que algo lindo é criado. Era esse tipo de poesia que eu queria escrever.
Eu tinha 20 anos e trabalhava em uma livraria em um shopping de Curitiba. Trabalhava de manhã, estudava a tarde e passava minhas noites escrevendo tudo que podia. Na outra manhã eu mandava tudo que escrevi para editoras ou páginas na internet. Consegui algumas postagens, mas nada demais. Essa vida é realmente uma merda. Mas isso é bom, pois poesia não se faz com momentos bons.
Cheguei na livraria e eram 9:00. Tinha acabado de abrir e meu chefe vinha em minha direção. Ele estava vestido com um terno preto e uma gravata vermelha.
“Segunda vez na semana que você atrasa! ” Dizia ele olhando para mim de cima abaixo.
“O ônibus atrasou” Disse tranquilo até demais.
“Na próxima vez você está na rua! ” Disse ele com uma cara de quem não compreendo como alguém pode ser tão despreocupado como eu.
“Ok. Mas você nunca vai achar alguém que entende de livros e poesia como eu...” disse me dirigindo ao meu setor.
“Eu acho um poeta vagabundo que nem você em qualquer esquina! ” Falou enquanto apontava em minha direção.
Realmente, você acha qualquer um como eu em qualquer esquina. As eu não me importo com isso. Ele não me demitiria. Eu tenho um superpoder de não me importar com porra nenhuma da vida. Já que eu não sinto nada, eu não consigo me importar com nada. Ou melhor, eu sinto. Mas eu não me importo o bastante com a vida para externalizar tudo. Apenas falo de meus sentimentos na poesia. Aí sim, um poeta tem de sentir. Posso dizer que minha poesia conserva minha falta de sentimentos. Eu apenas dialogo com ela. O papel é meu amigo e eu tenho muito a dizer no final do dia.
Depois de um dia inteiro respondendo perguntas sobre onde ficavam os livros de Youtubers ou qualquer outro tipo de literatura fútil, eu fui para faculdade. Aquele lugar era um inferno. Cursava letras e ia ser poeta. Minha professora não acreditava em mim. Dizia que minha poesia era bruta e feia, tinha de pensar mais na estética. Bom, a ela eu dizia que a poesia é sentimento. Você deveria colocar tudo que você sente ali, e vai ficar bom. Um bom poeta se transpõe na poesia. Além disso, eu tinha a consolação de qualquer um que escreve e não é reconhecido, ‘bons escritores não são reconhecidos ainda vivos. Sua genialidade é reconhecida depois de sua morte’. Isso era apenas uma consolação. Eu sabia que algum dia eu seria reconhecido, e apareceriam fotos minhas em preto e branco no Facebook com citações profundas de poemas meus.
Depois da faculdade fui para casa. Sentei na frente de meu computador e acendi o eu cigarro. Sim, eu só fumo quando escrevo. Fumar para mim é muito parecido com se vestir bem. É par acertas ocasiões. Hoje meus sentimentos estavam rápidos, então meus poemas estavam curtos. O que mais gostei foi o seguinte:
 Pintar
Pinto meus pulmões
de preto
pois não consigo
pintar a vida
de arco-íris
João era meu colega de apartamento. Ele chegou quando eu apaguei meu cigarro.
“Dae”
“Dae”
“O dia foi foda hoje. Me passa um cigarro. ” Me disse com sua mão estendida.
Passei o cigarro para ele.
“Queria ir no café com poesia” Disse a ele. Tinha escrito alguns poemas bons e queria lê-los. Era algo que eu sentia que tinha que fazer.
“Porra. Acabei de chegar. O que que eu ganho em troca dessa merda? ” Eu sabia o que ele queria. Era sempre a mesma coisa. E não é o que você está pensando.
“A gente passa no centro e pega vintão para você. Eu pago, claro” disse a ele enquanto levantava para pegar minha mala.
Ao chegar no café, fui cumprimentado por Everaldo.
“E ai rapaz! Quanto tempo! Trouxe alguns poemas para nós? ” Me disse enquanto me pegava pelo pescoço.
“Trouxe sim. Acho que esses estão muito bons. São curtos”
Peguei meus poemas e fui para o palco no fundo da loja. Era um palco para uma pessoa. Vi João sentar e pedir uma cerveja.
Comecei a ler. Enquanto eu lia, comecei a me animar e gritar. Everaldo estava olhando e fazendo sinais com a mão para abaixar o tom. Mas nem fodendo que eu ia parar agora. Estava mágico. 
Quando parei de gritar e o silêncio tomou conta do café, ninguém aplaudiu. Estavam muito assustados para isso. João começou a aplaudir como um louco quase chorando. Ele realmente estava louco. Assim todos aplaudiram e eu agradeci.


II

Corri mais do que eu podia com meus pulmões pretos de fumaça. Eu estava correndo fazia uns 20 minutos. Eu estava ofegante mas precisava correr. Não. Eu não estava tentando correr para melhorar minha saúde ou qualquer porra do tipo que você aprende com seu médico ou nas aulas de biologia. Eu não sei porque estava correndo como a merda do Forest Gump. Eu estava correndo porque senti que deveria correr. Eu sinto e faço tudo. É como a poesia que escrevo. Eu sinto e escrevo. Então, para praticar a escrita eu pratico a vida.
Encontrei João na faculdade. Ele estava sentado lendo algum livro de seu curso de direito. Acendi um cigarro e foi uma das piores ideias de minha vida (não fume após correr por 30 minutos). João me avistou de longe com minhas calças pretas e minha camiseta também preta do ‘Moose Blood’.
“Você está ofegante, cara. Você estava correndo? ” Ele me falou ao colocar o livro em sua mochila vermelha.
“Sim. Vim correndo de casa e parei aqui. Aparentemente. ” Disse curvado com as mãos nos joelhos e ainda ofegante.
“Que bom! Isso vai fazer bem para você, cara! Mas você não deveria usar algum tipo de roupa especial para corrida? ” Disse com uma cara confusa.
“Não seu babaca. Eu não estou correndo para ser fitness. Eu corri porque precisei correr. ” Disse eu, puto. Traguei meu cigarro. Agora a experiência era melhor, mais aconchegante.
“Então por que você estava correndo? ” Falou com uma voz calma, de quem já estava acostumado com minha grosseria sem razão. Eu não sou grosseiro porque quero, mas sim porque sou impulsivo, igual Hemingway que escrevia livros em apenas algumas noites.
“Já falei. Precisava correr. Estou vivendo cara! Vivendo! ”
Subi em um banco que havia ao nosso lado e comecei a gritar:
“Vivendo! Vivendo em poetizando! A vida é um suicídio feliz! ”
Com isso muitas pessoas se viraram para mim e me olharam com caras de confusão. Muitas pessoas me olham com cara de confusão pois ninguém entende o porquê de eu viver como vivo. Vivo no momento para não perder nenhum acontecimento. Vivo para captar tudo para minha poesia.
“Porra, cara! Pare com isso! Você é foda hein, mano! ” Disse João me puxando para baixo.
“Bom saber que você quer ser um poeta e falta as minhas aulas! ”
Olhei para trás e meu professor estava com um terno vermelho e bigode branco.
“Eu estava praticando minha poesia. ”
“Você está suado e fumando um cigarro em horário de aula. Você estava correndo por acaso? ” Me disse ao pentear seu bigode com a mão.
“Sim, estava. E se o senhor não entende como isso é praticar poesia, o senhor não entende de poesia” disse a ele sabendo da raiva que iria sentir. Eu gostava de cutucar as pessoas para que elas ficassem bravas. Não sei o porquê disso, não tem nada a ver com poesia e escrita.
“O senhor é realmente desconcertado. Por favor volte às aulas”
Eu não tinha o menor medo de reprovar e ficar na faculdade para sempre. Nada tinha uma grande importância para mim. Nem a poesia. Isso era apenas algo que eu tinha de fazer para não explodir. Era algo meu. Meu professor continuou andando para fazer qualquer porra que não importa para ninguém. Gostava dele. Ele acreditava em mim.
“Você ainda vai ser expulso” disse João.
“Eles não têm coragem”
“Você é babaca”
“Sou poeta, é diferente”
“Isso não faz sentido”
“Eu sei”

III


Acordei e eram cinco da manhã. Eu já tinha sido rejeitado por todos os sites e revistas de poesia da cidade. Eu estava puto. A frustração já era grande. Eu escrevia tudo que podia. Ser rejeitado era ter meus sentimentos jogados no lixo. Minha poesia era tudo que eu tinha. Não aguentava mais nada.
 Olhei para os lados e não vi nada. Estava respirando forte, ofegante. Tudo estava negro. Um breu no qual nada podia ser distinguido. Levantei e tentei andar até a porta. No caminho achei meu cigarro e meu celular. Estava de calça jeans preta e camisa preta. Não sei porque não estava de pijama. Abri a porta do quarto depois de topar meu pé três vezes e dar de cara na parede duas.

Lá fora estava frio. Estava no último andar do prédio, com todos meus poemas. Sentei na beira do prédio e acendi meu cigarro. Era incrível como tudo deu errado e como não conseguia sentir mais nada. Eu não tinha nada. Nada. Eu sentia um vazio que seria preenchido com o impacto do meu corpo no chão de concreto. A morte de um poeta é romântica de certo modo. A morte se torna bonita de certa maneira muito estranha. Tudo deu errado e isso seria eternizado naquela hora.

Quando meu cigarro acabou, tudo acabou. O sol já estava no céu. Enquanto ele subia, eu comecei a descer. E com isso, escutei João:

“Ei! Você vai ser publicado! Ou! Caralho! Puta merda! ”


FIM




domingo, 26 de junho de 2016

Pequenos poemas

Uma série de pequenos poemas escritos com grandes sentimentos resolvidos e não resolvidos sobre poesia e pessoas.


Seu beijo

Beije seus punhos
antes de me socar
parace clichê
mas é o que preciso

preciso de mais.
Um beijo que marque
deixe SUA marca
em mim.

Meu sangue escorre
para minha boca.
Seu beijo tão esperado


Poesia

poesia é a vida 
em palavras
poesia é arte
de viver
poesia
são sentimentos transbordados
poesia é...

Amor. 

Ó coração sangrento
Manda sangue escaldante em toda direção
Oráculo dos sentimentos e ações profundas
Resta-me uma última ressalva... falta-lhe corpo


A verdade

Desculpa por dizer
que não queria viver
mas a verdade era
não queria estar sem
você

Pintar

Pinto meus pulmões 
de preto
pois não consigo
pintar a vida 
de arco-íris 


    

Um poema

Um poema

Um desenho vale mil palavras
mas
o poema vale
milhões de sentimentos

Adolescência


Adolescência



I

"Foda-se isso" disse a mim mesmo enquanto olhava a tela com versos de merda.
"Não pode ser. Não sei mais escrever poesia, porra. Era fácil no começo, mas agora só sai coisa ruim.”. Fui dormir e eram 22:20.
Acordei com o alarme tocando o poema ‘All the way’. Bukowski era um gênio. Ele escrevia porque precisava escrever, e era disso que eu precisava. Escrever. Comecei com essa merda de poesia quando queria me matar. Aparentemente eu era bom e devia ser o próximo Ginsberg. Todos os poemas saíam de mim como se fosse para ser assim, e talvez deveria ser.
Acendi meu primeiro cigarro do dia e era 12:00. Hobel e eu andávamos até a tabacaria ao lado da escola. “Você tá foda hein, cara.” Me disse Hobel olhando para o cigarro em minha boca. “Todo dia essa necessidade de fumar. Já falei que você devia ir devagar. Isso mata...”.
“Meu caro Hobel. Eu já te disse que não me importo em morrer. A vida é frágil e deveria ser. Eu preciso de meus cigarros porque eles são a única coisa que me mantém no chão. Isso pode até ser patético. Mas minha existência também, então que se foda. Além disso, poetas tem de sofrer para escrever. Talvez se eu tiver câncer eu tenha o que preciso para me tornar o próximo Drummond.” Olhei para Hobel. “Quer a porra do cigarro? Já temos que voltar para o inferno.”
Hobel me fitou com os olhos. “Me dá essa merda. Você é uma má influência. ” Acendeu o cigarro e se sentou na mesa da tabacaria. “Olha, eu sei que você quer ser o melhor escritor que existe no planeta e tal. Mas quando que você vai deixar esse sonho para lá e viver no mundo real? ”. Soprou a fumaça do cigarro para fora e ajeitou seus óculos.
Olhei para sua camisa xadrez e disse “Deixe-me ler algo que escrevi? ”.
Hobel era magro. Ele não devia fumar, mas a vida é foda e derruba todos. O cigarro era a prova disso. Acendi outro cigarro. E comecei a ler:
“Quero as luvas de Hemingway
beber o álcool de Bukowski
e a sutileza crítica de Dickens

Do Brasil eu não esqueço
As sombrancelhas de Lobato
O amor de Jorge
a anarquia de Zelia

Quero a exclusão de Kafka
A tuberculose de Andrade
O pessimismo dos Anjos

Mas me vejo no espelho?
Algum dia vão querer
ter meu corpo como é?”

Hobel levantou e começou a perambular em volta da mesa com sua mão direita no queixo. “Me passa outro cigarro e o lighter.” O passei o camel e o isqueiro preto. Ele fumava muito bem, Hobel. No final de toda noite ele pedia um cigarro. Quando ninguém mais aguentava olhar para o camel amarelo, estava Hobel fumando sua morte. “Esse poema é interessante. Nós admiramos nossos ídolos, mas eles eram apenas pessoas. Normais.”.
“Muito mais que isso Hobs. Nós temos medo da vida. Nós temos medo de parar de existir. Nós temos medo de morrermos e cair no esquecimento. Isso é incrível, como nós nos achamos tão importantes, quando nada é importante. Nós seremos esquecidos. Vamos perecer. Você também é poeta. Sabe do que estou falando. Você escreve por que? ”.
Hobel me fitou novamente. Agora com um olhar mais sério e confuso. “Já lhe disse. Eu escrevo porque eu quero, porque é o que sinto que devo fazer. Não quero ser lembrado pelos meus poemas. Não quero ser famoso. Você sabe que quem escreve para fama escreve mal, pois seus sentimentos não são verdadeiros.”. Hobel me passou o isqueiro preto. Olhei para ele e depois para Hobel. Admirava a inteligência de Hobel.
“Então Hobs. Lhe digo. Você será lembrado pela sua poesia se ela for boa o bastante. E mesmo se eu não for, o que importa não será meu dinheiro nem minha casa nem meu desempenho no vestibular. É o que o poema diz. Sabe?”. Hobel olha seu relógio.
“Está na hora.”
“Mais um cigarro e vamos. Ok?”. Disse olhando para o camel.
“Ok, mas pare de fugir de suas responsabilidades...”



II
 “Dae moleque! ” disse Ricardo olhando para mim com seu baseado na boca.
“Dae Rica. Como ta a festa?” disse enquanto pegava o maço do bolso.
“Boa. Chapei demais já.” Rica falava enquanto a fumaça saía de sua boca e nariz. O cheiro era forte.
“Me de um trago, Rica.”
Ricardo me passou o baseado e puxei com força. Precisava disso.
“Valeu. Quer um?” falei puxando um cigarro para ele.
“Claro” falou com o cigarro já na mão. “onde está o Hobel e o João?”
“Estão colando ai. Vamos para dentro. Ta muito frio aqui”.
“Só vou terminar o baseado e já entro”
“Ok” disse enquanto andava em direção à casa. Era uma casa grande de um andar apenas. Os pais de Pedro viajaram para Cancun e deixaram a casa para ele. Então no meio dos exames finais estou aqui para fazer o que sei melhor, criar momentos para poesia. Avistei Pedro. Ele estava no meio de um grupo de pessoas grande, das quais eu conhecia todas da série abaixo. Aninha, Flávia, José e João. Pedro estava no meio com seu cabelo longo preparando o jogo de beer pong (sempre odiei essa porra de jogo idiota).
“Pedro. Como está?”
“Eai rapaz. To bem. Trouxe as poesias?”
“Trouxe. Estão na mochila”
Pedro olhou para o cigarro em minha mão e fez uma cara sem graça e disse:
“Puts cara. Só não pode fumar aqui”
“Não enche Pedro. Daqui a meia hora já sai o cheiro. Quer um?”
“Você é foda, cara. Pode ser.…” disse ele esticando a mão esperando o câncer.
“Posso colocar a música? ” Disse a ele com o celular na mão.
“Pode sim. A caixa de som está ali na mesa” Pedro apontou para uma pequena mesa ao lado de um sofá marrom.
Me dirigi até a caixa de som e traguei meu cigarro. Coloquei ‘Everyday’ do Modern Baseball. Hoje em dia só escutava emo pois era o que mais se aproximava de poesia. Hobel acabava de entrar pela porta de entrada.
“Dae cara. Você ta bem?” Disse Hobel olhando para mim com sua camiseta estampada com ursos.
“To mano. Chapei ali fora”, Hobel esta rindo com sua gengiva inteira aparecendo como era de costume.
“Também, mano”. Realmente, eu estava muito louco. Eu sentia que era a hora certa para ler meus poemas, apesar da festa ter acabado de começar.
“Pedro. Vou ler os poemas lá fora” Pedro me olhou com uma cara de confusão.
“Mas agora? Acabou de começar. Ninguém ta louco o bastante. Espere uma hora ai você vai.”
Fiquei puto. “Não porra. Vou ler agora. Você querendo ou não.” Me dirigi para fora e subi em um tronco de árvore e comecei a declamar, ou melhor, gritar meu primeiro poema:
“Sofrimento poético

Não sei escrever sem sofrer
meu sofrimento
se torna verso

Não sei escrever
nem transcrever felicidade.

poetas não são felizes
ou pelo menos poetas bons
não são felizes

A tristeza se transforma em arte
a felicidade em tristeza

arte e poesia
são coisas lindas
que vêm das trevas
do sofrimento
e tragédia.

pessoas adoram a tristeza alheia
a romantização da desgraça mental
mas poetas
amam sua própia desventura
fatalidade que se torna beleza

É incrível como o amor cria poemas tão lindos
e como o amor não correspondido
cria poemas melhores ainda.”


III
Era noite e os exames finais haviam acabado. A loucura da adolescência continuava e meus poemas também.  Estava no carro de Jean. Um carro e três pessoas. Eu, Hobel e Jean. Dois poetas e um amante de poesia. Nada poderia dar certo. “Cara. Ta tudo uma merda. Reprovei de novo.” Jean ia fazer 20 anos.
“Quer que eu leia um poema para você? Vai ajudar.” Já estava com a minha mão no caderno de poemas dentro de minha mala quando Hobel virou e disse:
“Cala boca, Hemingway. ”
“Porra” disse. “ia ajudar o coitado”
“Vamos no Mcdonalds” disse Hobel olhando para Jean.
“Vamos. Vamos”
Jean foi a viagem toda falando que seu pai ia o matar por reprovar um terceiro ano e eu já estava de saco cheio daquela porra.  Chegando no Mcdonalds eu dei graças a Deus.
Depois de comermos nossos lanches eu decidi declamar poemas em voz alta.
“Não, cara. Vão nos expulsar daqui!” Olhei para Hobel e peguei meu cigarro do bolso.
“Não!” Hobel disse com uma cara assustada enquanto eu acendia a gangrena.
“Seu beijo


Beije seus punhos
antes de me socar
parace clichê
mas é o que preciso

preciso de mais.
Um beijo que marque
deixe SUA marca
em mim.

Meu sangue escorre
para minha boca.
Seu beijo tão esperado!”
“Ei! Você não pode fumar aqui dentro porra!” Gritou um homem vestido de suéter azul e gravata vermelha.
“Eu faço o que eu quiser! ” Gritei enquanto soltava a fumaça de minha boca.
“Vou chamar a polícia! ” Disse o engravatado.
“Chama então seu pau no cu de merda! ” Disse subindo na mesa e mostrando o dedo do meio para ele.
“Ei moleque! Desce daí agora! ” Ouvi uma voz grossa por traz de mim. Olhei para trás e um policial estava vestido com seu uniforme.
“Caralho! Um porco! Corre molecada! ”
“Vocês tão fodidos seus merdinhas! ”
Saímos correndo do restaurante o mais rápido possível. Corremos umas três quadras até chegarmos em um terreno baldio com ninguém a vista. Hobel vira para mim e diz:
“Seu filho da puta! A gente podia ter sido preso! Eu ainda não sei porque ando com você! Puta merda! Caralho! Seu puto! ”
Comecei a rir histericamente. Jean olhava perplexo para os dois.
“Para de rir seu maníaco! ” Olhei para Hobel quase chorando de rir e disse:
“Cara. Não aconteceu nada. Relaxa. É assim que se fazem momentos que você vai lembrar para o resto da vida. Ou você quer ficar em casa batendo uma o dia todo e não viver? É assim que os grandes poetas vivem porra!” Peguei um cigarro e ofereci a Hobel.
“Porra! Você é foda! ” Disse Hobel pegando o cigarro.
Jean virou de costas e pegou algo em seu bolso. Vira para nós e diz:
“Quem quer o último baseado? ”


IV
Era a formatura. Todas as famílias estavam lá. Minha família junto coma de Hobel na mesa 4. Todos haviam pego seus diplomas e as bebidas estavam liberadas. Duas coisas a serem esclarecidas. Sim, eu passei nos exames finais. E não, ninguém esperava que os alunos bebessem. Mas como poesia não se faz com noites bacanas e comportadas, eu peguei uma cerveja para mim e outra para Hobel. Nós nos dirigimos para fora do restaurante.
“Finalmente acabou” Disse enquanto abria minha cerveja.
“É.” Hobel puxa o cigarro do bolso e acende.
“Me passa um”
Hobel me passou um camel azul. Era uma merda de cigarro, mas um poeta não se importa com essas coisas.
“Você acha que vai acabar tudo agora? Tipo, nós somos adultos e vamos para faculdade, e a loucura acabou.”
“Ah meu caro Hobs. A loucura nunca acaba. Não enquanto nós formos poetas. Tudo será transcrito para nossa poesia. E além disso, enquanto nós conseguirmos viver com a adolescência interior, a loucura não acaba”.
“Hmm. Escrevi um poema ontem”
“Me mostre. Você será um grande poeta Hobbie. Te digo. Agora me passa essa porra de poema”
“Aqui”
Hobel pega um pedaço de papel amaçado de seu bolso e o abre. Ele me entrega o papel enquanto sopra a fumaça de sua boca.
Li o poema com calma. Era uma obra prima. Todos os sentimentos humanos transcritos com palavras singelas e corretas. Foi um grande poema.
“Isso é genial Hobel. Genial. Você é um gênio e não sabe moleque. ”
Voltamos para dentro do restaurante. As pessoas estavam dançando na pista. Pais, alunos e professores se divertiam enquanto eu estava miserável. Tudo era uma grande aventura e eu simplesmente preso sem saber o porquê. Resolvi declamar um poema.
Saí correndo para fora do restaurante com Hobel me seguindo.  Corri para a estrada que passava pela frente do restaurante. Entrei no meio da estrada e comecei a declamar minha poesia. Hobel estava no outro lado gritando algo, mas não podia o escutar. Depois de algum tempo vi uma pequena aglomeração de pessoas fora do restaurante, mas tudo que podia ouvir era a poesia que saía de minha boca:

“quero escrever
versos complicados

sou um homem de poesia simples
palavras diretas

para mim a poesia  é a vida
emana de cada um

escrevo versos complicados
em frases simples?

para ser reconhecido
o poeta não pode ser
compreendido?”
FIM



quinta-feira, 23 de junho de 2016

Poesia incorporada

Poesia incorporada

Desisto de tudo
Essa é a condição de minha existência
Mas
Não desisto de poesia
Ela vive dentro de mim
Tenho versos armazenados
Sou uma metáfora ambulante
Poesia incorporada

Sou um poeta
Bom ou ruim
Dessa condição não se livra
A poesia é uma amante
Pela qual o amor
Não se esgota
Minha musa verdadeira
Versos
E estrofes
Compõem seu corpo
Tão desejado
Por muitos
Mas que emana de cada um
De um modo diferente

A poesia é o amor
O ódio
A raiva
A empatia
E todos os sentimentos juntos
E disso
Não se livra
Isso você abraça
Você aceita
E você
Escreve

Uma flor

Uma flor

No meio do terror
Nasce uma flor
Na quebra do asfalto com esplendor

Vermelha cor de sangue
Nasce nesse instante
Tão excitante
Está dentro de todo amante

O amor
Poder afrontador
Da morte e da dor

Um soldado adiante
Pega a flor
Para sua amante

Um poema para Charles Bukowski

Um poema para Charles Bukowski

Bukowski,
eu te admiro.

Você é tudo que um poeta é;
o que ele deveria ser;
e o que ele sempre será.

Você é a vontade de escrever
A necessidade de escrever
Você é a angústia
a dor da existência
Você é a o que o poeta deve sentir
Você é a escrita em si.

Simplicidade do sentir
Simplicidade do ser
simplicidade de escrever

Obrigado por mostrar-me
o que escrever é
que se não emana de você
como a lava de um vulcão
não se deve colocar no papel

Um poema simples e sem adornos
para meu ídolo simples e sem adornos
Sentir é frio e escrever
congelante

Bukowski,
o poeta real.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Sentimentalismo

Sentimentalismo

Proponho o sentimentalismo poético
escrever o que na cabeça vier
nova escola poética
versos livres
como quiser
escreva!

o poema não é mais que sentimentos escritos
o sentimentalismo poético
não é escola poética
mas escola de sentimento

amor, tristeza, raiva
o que vier
não pare de escrever até parar de sentir

os poemas virão como foguetes
geisers ou vulcões
sairão de sua mente para sua boca ou para o papel
sinta!
e depois, reflita